13 agosto, 2020

O Pequeno Príncipe - XIV (Antoine de Saint-Exupéry)

 XIV


O quinto planeta era muito curioso. Era o menor de todos. Mal dava para um
lampião e o acendedor de lampiões ...



O principezinho não podia atinar para que pudessem servir, no céu, num planeta
sem casa e sem gente, um lampião e o acendedor de lampiões. No entanto, disse consigo
mesmo:
- Talvez esse homem seja mesmo absurdo. No entanto, é menos absurdo que o rei,
que o vaidoso, que o homem de negócios, que o beberrão. Seu trabalho ao menos tem um
sentido. Quando acende o lampião, é como se fizesse nascer mais uma estrela, mais uma
flor. Quando o apaga, porém, é estrela ou flor que adormecem. É uma ocupação bonita.
E é útil, porque é bonita.
Quando abordou o planeta, saudou respeitosamente o acendedor:
- Bom dia. Por que acabas de apagar teu lampião?
Eu executo uma tarefa terrível.
É o regulamento - respondeu o acendedor-. Bom dia.
Que é o regulamento?
É apagar meu lampião. Boa noite.
E tornou a acender.
- Mas por que acabas de o acender de novo?
- É o regulamento, respondeu o acendedor.
- Eu não compreendo, disse o principezinho.
- Não é para compreender, disse o acendedor. Regulamento é regulamento. Bom
dia.
E apagou o lampião -
Em seguida enxugou a fronte num lenço de quadrinhos vermelhos
- Eu executo uma tarefa terrível. Antigamente era razoável. Apagava de manhã e
acendia à noite. Tinha o resto do dia para descansar e o resto da noite para dormir...
- E depois disso, mudou o regulamento?
- O regulamento não mudou, disse o acendedor. Aí é que está o drama ! O planeta
de ano em ano gira mais depressa, e o regulamento não muda!
- E então? disse o principezinho
- Agora, que ele dá uma volta por minuto, não tenho mais um segundo de repouso.
Acendo e apago uma vez por minuto !
- Ah! que engraçado! Os dias aqui duram um minuto!
Não é nada engraçado, disse o acendedor. Já faz um mês que estamos
conversando.
Um mês?
Sim. Trinta minutos. Trinta dias. Boa noite.
E acendeu o lampião.
O principezinho considerou-o, e amou aquele acendedor tão fiel ao regulamento.
Lembrou-se dos pores-do-sol que ele mesmo produzia, recuando um pouco a cadeira.
Quis ajudar o amigo.
- Sabes .? Eu sei de um modo de descansar quando quiseres ...
- Eu sempre quero, disse o acendedor.
Pois a gente pode ser, ao mesmo tempo, fiel e preguiçoso.
E o principezinho prosseguiu:
- Teu planeta é tão pequeno, que podes, com três passos, dar-lhe a volta. Basta
andares lentamente, bem lentamente, de modo a ficares sempre ao sol. Quando quiseres
descansar, caminharás ... e o dia durará quanto queiras.
- Isso não adianta muito, disse o acendedor. O que eu gosto mais na vida é de
dormir.
- Então não há remédio, disse o principezinho.
- Não há remédio, disse o acendedor. Bom dia.
E apagou seu lampião.
Esse aí, disse para si o principezinho, ao prosseguir a viagem para mais longe, esse
aí seria desprezado por todos
Os Outros, o rei, o vaidoso, o beberrão, o homem de negócios. No entanto, é o
único que não me parece ridículo.
Talvez porque é o único que se ocupa de outra coisa que não seja ele próprio.
Suspirou de pesar e disse ainda:
Era o único que eu podia ter feito meu amigo.
Mas seu planeta é mesmo pequeno demais. Não há lugar para dois ...
O que o principezinho não ousava confessar é que os mil quatrocentos e quarenta
pores-do-sol em vinte e quatro horas davam-lhe certa saudade do abençoado planeta!

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