10 maio, 2020

O Pequeno Príncipe - X (Antoine de Saint-Exupéry)

X


Ele se achava na região dos asteróides 325, 326, 327, 328, 329, 330. Começou,
pois, a visitá-los,para procurar uma ocupação e se instruir.
O primeiro era habitado por um rei. O rei sentava-se, vestido de púrpura e
arminho, num trono muito simples, posto que majestoso.
Ah ! Eis um súdito, exclamou o rei ao dar com o principezinho.
E o principezinho perguntou a si mesmo:
Como pode ele reconhecer-me, se jamais me viu?
Ele não sabia que, para os reis, o mundo é muito simplificado. Todos os homens
são súditos.
- Aproxima-te, para que eu te veja melhor, disse o rei, todo orgulhoso de poder ser
rei para alguém.
O principezinho procurou com olhos onde sentar-se, mas o planeta estava todo
atravancado pelo magnífico manto de arminho. Ficou, então, de pé. Mas, como estava
cansado, bocejou.
É contra a etiqueta bocejar na frente do rei, disse o monarca. Eu o proíbo.
- Não posso evitá-lo, disse o principezinho confuso.
Fiz uma longa viagem e não dormi ainda...
Então, disse o rei, eu te ordeno que bocejes. Há anos que não vejo ninguém
bocejar! Os bocejos são uma raridade para mim. Vamos, boceja! É uma ordem!
- Isso me intimida... eu não posso mais... disse o principezinho todo vermelho.
- Hum ! Hum ! respondeu o rei. Então... então eu te ordeno ora bocejares e ora...
Ele gaguejava um pouco e parecia vexado.
Porque o rei fazia questão fechada que sua autoridade fosse respeitada. Não
tolerava desobediência. Era um monarca absoluto. Mas, como era muito bom, dava
ordens razoáveis.
"Se eu ordenasse, costumava dizer, que um general se transformasse em gaivota, e
o general não me obedecesse, a culpa não seria do general, seria minha."
- Posso sentar-me? interrogou timidamente o principezinho.
- Eu te ordeno que te sentes, respondeu-lhe o rei, que puxou majestosamente um
pedaço do manto de arminho.
Mas o principezinho se espantava. O planeta era minúsculo. Sobre quem reinaria o
rei?
- Majestade... eu vos peço perdão de ousar interrogar-vos...
- Eu-te ordeno que me interrogues, apressou-se o rei a declarar.
- Majestade... sobre quem é que reinais?
- Sobre tudo, respondeu o rei, com uma grande simplicidade.
- Sobre tudo?
O rei, com um gesto discreto, designou seu planeta, os outros, e também as
estrelas.
- Sobre tudo isso?
- Sobre tudo isso. respondeu o rei.
Pois ele não era apenas um monarca absoluto, era também um monarca universal.
- E as estrelas vos obedecem?
Sem dúvida, disse o rei. Obedecem prontamente.
Eu não tolero indisciplina.
Um tal poder maravilhou o principezinho. Se ele fosse detentor do mesmo, teria
podido assistir, não a quarenta e quatro, mas a setenta e dois, ou mesmo a cem, ou mesmo
a duzentos pores-do-sol no mesmo dia, sem precisar sequer afastar a cadeira ! E como se
sentisse um pouco triste à lembrança do seu pequeno planeta abandonado, ousou solicitar
do rei uma graça:
- Eu desejava ver um pôr-do- sol ... Fazei-me esse favor. Ordenai ao sol que se
ponha. . .
- Se eu ordenasse a meu general voar de uma flor a outra como borboleta, ou
escrever uma tragédia, ou transformar-se em gaivota, e o general não executasse a ordem
recebida, quem - ele ou eu - estaria errado?
- Vós, respondeu com firmeza o principezinho.
- Exato. É preciso exigir de cada um o que cada um pode dar, replicou o rei. A
autoridade repousa sobre a razão. Se ordenares a teu povo que ele se lance ao mar, farão
todos revolução. Eu tenho o direito de exigir obediência porque minhas ordens são
razoáveis.
- E meu pôr-do-sol? lembrou o principezinho, que nunca esquecia a pergunta que
houvesse formulado.
- Teu pôr-do-sol, tu o terás. Eu o exigirei. Mas eu esperarei, na minha ciência de
governo, que as condições sejam favoráveis.
- Quando serão? indagou o principezinho.
- Hein? respondeu o rei, que consultou inicialmente um grosso calendário. Será lá
por volta de ... por volta de sete horas e quarenta, esta noite. E tu verás como sou bem
obedecido.
O principezinho bocejou. Lamentava o pôr- do-sol que perdera. E depois, já estava
se aborrecendo um pouco!
- Não tenho mais nada que fazer aqui, disse ao rei.
Vou prosseguir minha viagem.
- Não partas, respondeu o rei, que estava orgulhoso de ter um súdito. Não partas:
eu te faço ministro
- Ministro de quê?
- Da ... da justiça
- Mas não há ninguém a julgar!
- Quem sabe? disse o rei. Ainda não dei a volta no meu reino. Estou muito velho,
não tenho lugar para carruagem, e andar cansa-me muito.
- Oh! Mas eu já vi, disse o príncipe que se inclinou para dar ainda uma olhadela do
outro lado do planeta. Não consigo ver ninguém ...
- Tu julgarás a ti mesmo, respondeu-lhe o rei. É o mais difícil. É bem mais difícil
julgar a si mesmo que julgar os outros. Se consegues julgar-te bem, eis um verdadeiro
sábio.
- Mas eu posso julgar-me a mim próprio em qualquer lugar, replicou o
principezinho. Não preciso, para isso, ficar morando aqui.
- Ah ! disse o rei, eu tenho quase certeza de que há um velho rato no meu planeta.
Eu o escuto de noite. Tu poderás julgar esse rato. Tu o condenarás à morte de vez em
quando: assim a sua vida dependerá da tua justiça.
Mas tu o perdoarás cada vez, para economizá-lo. Pois só temos um.
- Eu, respondeu o principezinho, eu não gosto de condenar à morte, e acho que vou
mesmo embora.
- Não, disse o rei.
Mas o principezinho, tendo acabado os preparativos, não quis afligir o velho
monarca:
- Se Vossa Majestade deseja ser prontamente obedecido, poderá dar-me uma
ordem razoável. Poderia ordenar-me, por exemplo, que partisse em menos de um minuto.
Parece-me que as condições são favoráveis ...
Como o rei não dissesse nada, o principezinho hesitou um pouco; depois suspirou
e partiu.
- Eu te faço meu embaixador, apressou-se o rei em gritar.
Tinha um ar de grande autoridade.
As pessoas grandes são muito esquisitas, pensava, durante a viagem o
principezinho.

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